Há 16 dias, eu estava revivendo a maior alegria da minha vida. Embora tenha sido meu segundo parto, foi um momento absolutamente ímpar. Não há como comparar os dois partos, não há como medir a emoção que senti naquele 17 de agosto de 2012 nem agora, dia 03 de fevereiro de 2015. Aliás, não conheço escala para medir emoção. Emoção a gente sente. E só.
Acordei bem e disposta no dia 03 de fevereiro. Assim como ocorreu na véspera do meu primeiro parto, fui deitar sem jantar. Não tinha fome. Na manha do dia 03, rotina normal: acordar filha mais velha, preparar seu café da manha enquanto ela grita do quarto "mamanhê, meu leite!", pôr o uniforme da escola, escovar dentes e todo aquele roteiro que as mães conhecem bem. Na hora de sair, minha filha pediu colo. Eu dei, mesmo já estando com 38 semanas e 3 dias de gestação. Quando a peguei no colo, imaginei que teria alguma consequência. Afinal, qualquer hora era hora. Mesmo assim, dei o colo que ela pediu. Quem é mãe sabe o quanto é difícil negar colo para um filho. E também nunca saberei se este fato teve alguma influência no parto. Enfim...
Ela foi pra escola com meu marido e eu comecei a sentir um leve incômodo nas costas. Uma luzinha acendeu na minha cabeça. Decidi não tomar café da manhã. Preferi me deitar e observar. As contrações vinham e iam ainda meio descoordenadas. Comecei a marcar o tempo de duração das contrações e o intervalo entre elas. Percebi que, de fato, havia chegado a hora. Fui então recolocar as roupinhas da minha filha na bolsa, que eu havia tirado na véspera para ozonizar na máquina de lavar roupas. A cada roupinha que eu colocava na bolsa, as contrações vinham mais fortes. Liguei para meu marido. Ele estava naquele momento na fila de espera para autorizar minha internação para o parto. Falei, calmamente, que ele tentasse voltar para casa logo em seguida porque eu tinha entrado em trabalho de parto. Falei também com meu irmão, médico. Ele pediu para eu marcar o tempo de cada contração. Elas duravam, em média, 55 segundos e o intervalo entre elas era de cerca de 3 minutos. Ele disse que aparentemente pareciam mesmo contrações verdadeiras. Tomei um bom banho e foi impossível conter a emoção debaixo do chuveiro. Dentro de poucas horas, minha filha estaria comigo. Agradeci a Deus, pensei na minha filha mais velha na escola e as lágrimas rolaram novamente. Liguei para minha obstetra. Depois de algumas tentativas frustradas, enfim consegui contato. Ela me orientou a ir para a maternidade.
No caminho, as contrações aumentaram consideravelmente. Perdi as contas de quantas vezes meu útero se contraiu no trajeto. Chegando à maternidade, percebi o quanto os hospitais e profissionais estão despreparados para lidar com esse processo tão natural e corriqueiro que é um parto. A impressão que tive foi que naquela maternidade só chegam mulheres com partos agendados. O recepcionista tremia feito vara verde e não conseguia sequer manusear o mouse para inserir meus dados no sistema. A cada contração que eu sentia, ele tremia na cadeira. Seria cômico se não fosse alarmante. Minutos depois uma funcionária apareceu informando que não havia leitos no hospital. A funcionária foi até atenciosa, contactou minha obstetra e, entre uma contração e outra, entendi que ficaríamos lá e o problema do leito seria resolvido.
Subi numa cadeira de rodas para uma sala de pré operatório. Meu marido, irmão e cunhada (também médica) subiram comigo. Minha mãe e irmã ficaram aguardando na recepção do hospital. Logo que entrei na sala de pré operatório, fui orientada a vestir uma bata. Enquanto trocava de roupa, perdi o tampão. Ainda aguardei sentada na cadeira de rodas por algum tempo, o que não foi muito confortável. Em seguida, me pediram para deitar em uma maca. Não sei dizer quanto tempo fiquei deitada ali. Sei que minha cunhada e uma enfermeira de olhos cor de mel foram dois anjos. Massagearam minhas costas, emprestaram as mãos para eu apertar. Não sei como não quebrei a mão delicada e magra da minha cunhada. As contrações vinham cada vez mais fortes, em intervalos menores e durando mais tempo. Ouvi minha cunhada e meu irmão pedindo um médico para avaliar minha dilatação. Meu marido tentava contactar minha obstetra para colocá-la a par do processo. Algum tempo depois, uma obstetra me faz um exame de toque. Ela informa para as enfermeiras ao redor que estou com 8 cm de dilatação, mas no meio daquela dor lancinante eu entendi 2 cm. Ainda deu tempo de eu pensar "2 cm e essa dor infernal?" Em questão de segundos, mil pensamentos passam pela sua cabeça. Na hora, lembro de comparar com o trabalho de parto da minha primeira gestação: com 5 cm de dilatação daquela vez, a dor era perfeitamente suportável, então porque agora com 2 cm dói tanto?" Foi quando alguém perguntou de novo "quantos centímetros, doutora?" Ela repetiu: 8 cm com colo bem fino. Então pensei: "caramba, tô em pleno trabalho de parto e dilatei 8 cm em 2h!" Até então, eu tinha indicação médica de parto cesariana por causa da hérnia de disco na lombar, que resolveu dar o ar da graça logo no primeiro trimestre da minha primeira gestação. Apesar da hérnia, eu sempre quis um parto normal. Aliás, antes de engravidar eu já queria viver a experiência de dar à luz, de parir um filho eu mesma, de ser protagonista da minha história. Mas diante da provável complicação, acabei desistindo. Imagina aí: um bebê recém-nascido, uma filha de 2 anos e meio e uma hérnia de disco estourada? Essa conta não fecha. Só quem já sofreu com hérnia sabe o martírio que é. Fiquei meses de cama na minha primeira gestação, sem conseguir sentar nem andar. Fui obrigada a tirar licença do trabalho por 6 meses. Imagina aquele tormento de novo, mas agora com duas crianças dependentes de mim. Achei injusto também com meu marido, que teria que segurar as pontas em casa com uma mulher acamada e duas filhas pequenas. Achei que não valeria à pena correr o risco e me conformei. Talvez Deus não tivesse reservado para mim essa missão. Acredito que tudo acontece como tem que acontecer. E foi assim que pensei: se não é para ser, que não seja. Não ficarei de luto por um parto que não evoluiu como eu desejava. Eu estava bem tranqüila com relação a isso.
Voltando às contrações, elas vinham e iam bem mais intensas e agora, além da dor na lombar, eu sentia também dor no abdômen e um movimento lá nos países baixos. Minha cunhada explicou que era a dilatação. Pedi algum tipo de anestesia ou ao menos algum alívio para a dor. Mas os profissionais repetiram diversas vezes que somente minha obstetra poderia conduzir o procedimento e ela ainda não havia chegado. Insisti que não daria tempo esperar. Percebi que eles concordavam comigo, realmente não daria tempo esperar, mas cumpriram o protocolo do hospital e não me aplicaram nenhum medicamento. Algum tempo depois, minha cunhada pediu para a obstetra do hospital me reavaliar. Ouvi quando a enfermeira disse que ela havia entrado numa cesariana. Falei quase gritando que minha filha ia nascer ali. A enfermeira me orientou a não fazer força. Mas era quase involuntário. Meu corpo fazia força quase sem eu querer e eu sentia que dentro de minutos, Alice nasceria. Não sei precisar quanto tempo passou, mas fui levada na maca onde eu estava para outra sala que me pareceu ser um centro cirúrgico. Foi difícil passar da maca para a mesa de cirurgia, dura e muito estreita. Assim que passei, virei de lado. A enfermeira me pediu para deitar com a barriga para cima, mas me sentia mais confortável deitada sobre meu lado esquerdo. Estava ali naquela sala, agora sem meu marido, irmão e cunhada. Mas vi os olhos cor de mel daquela enfermeira entre os vários rostos naquela sala e a reconheci. Pedi para ela ficar ao meu lado e apertei forte a mão dela a cada contração. Depois me dei conta de que, além de apertar a mão dela, eu mordi meu próprio braço esquerdo. Até hoje os hematomas não sumiram. Perguntei pelo meu marido e me informaram que ele estava logo atrás da porta. Pedi para ele entrar. Nesse intervalo, um anestesista apareceu ao meu lado e se apresentou. Pedi uma anestesia. Ele disse a frase que me impactou: "não há mais tempo para anestesia. Você vai ter seu bebê de parto normal". Minha ficha caiu ali. Eu queria anestesia, sim, mas queria mais ainda que minha filha nascesse de parto normal. Não sei explicar o que senti naquele momento. Sei que um torpor tomou conta do meu corpo. Eu tive medo. Medo de não conseguir, medo de ser fraca... Mas ao mesmo tempo, eu me senti uma leoa. Senti como se eu fosse a mais corajosa de todas as criaturas. É tudo tão intenso num parto natural que acho que você consegue viver todas as emoções do mundo em questão de segundos. Lembro de ter informado ao anestesista sobre a hérnia. Ele coçou a cabeça e disse: "uma hérnia? Sério?" E saiu com um ar tenso. Eu, na verdade, esqueci a bendita hérnia. Lembrava dela, mas esqueci que ela poderia sair com o esforço do parto. As dores eram tão intensas que eu só queria que minha filha nascesse, nem que depois eu ficasse aleijada.
"E aí você surgiu na minha frente
E eu vi o espaço e o tempo em suspensão
Senti no ar a força diferente
De um momento eterno desde então..."
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